"Meu encontro com Durmeval data dos anos 50. Desde então, mantivemos relacionamento constante fundado na amizade, no respeito recíproco e em diálogo intelectual frutuoso do qual fui, sem dúvida, o maior beneficiário.
Colaborei com Durmeval quando se achava à frente da então Diretoria do Ensino Superior, de 1962 a 1964, atendendo a seu convite para integrar a Comissão de Assessoramento das Faculdades de Filosofia. Criando as comissões de ensino superior correspondendo às principais carreiras, pretendia ele imprimir orientação mais técnica e menos cartorial à Diretoria, segundo costumava dizer. Convivemos mais intensamente no Conselho Federal de Educação de 1964 a 1969, quando, por uma inconcebível cassação, o Conselho viu-se privado de sua inapreciável colaboração. Estivemos juntos, em convívio acadêmico e amigo, no IESAE e na Faculdade de Educação da UFRJ até sua morte. Neste depoimento, quero prestar testemunho pessoal da atuação destacada e fecunda de Durmeval no Conselho Federal de Educação.
O Conselho fora criado em 1962, conseqüência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em pleno regime parlamentarista. Sua composição teve o mínimo de ingerência política e, na escolha dos primeiros conselheiros, muito influiu a clarividência de Anísio Teixeira. Assim temos um pensador da altura de Alceu Amoroso Lima, cientista de nomeada internacional como Maurício Rocha e Silva, o próprio Anísio, grande pensador da educação brasileira, a figura eminente e austera do educador Almeida Júnior, D. Helder Câmara e outros expoentes das letras e da educação. É nesta ambiência intelectual de alto nível que se vai afirmar brilhantemente a personalidade de educador e de homem de pensamento que foi Durmeval Trigueiro.
Nos limites deste depoimento, seria impossível fazer uma avaliação completa da atuação de Durmeval, em toda sua amplitude e profundidade, durante os cinco anos em que esteve no Conselho. Muito menos analisar devidamente sua produção intelectual expressa em pareceres normativos e doutrinários, indicações, bem como nas comunicações e conferências nos diversos seminários promovidos pelo Conselho. Extensa produção que fez dele um dos mais operosos e eficientes conselheiros. Neste espaço de cinco anos, Documenta, a revista do Conselho Federal de Educação, está fortemente marcada pela presença constante da inteligência crítica e criativa de Durmeval.
Era a fase em que o Conselho não se achava assoberbado pelos pedidos de autorização e de reconhecimento, não se limitava ao trabalho de contencioso pedagógico nem se exauria no estudo de processos meramente casuísticos. Tratava-se de pensar os problemas gerados pela aplicação da Lei de Diretrizes e Bases no momento em que a educação brasileira entrava em pleno processo de transformação. Nesse terreno, Durmeval pôde dar o melhor de sua inteligência fecunda, de sua capacidade de reflexão crítica e inovadora e de espírito público. Seja na análise de uma questão de política educacional, na resposta a uma consulta de natureza pedagógica ou no simples exame de estatuto ou regimento, mostrava todo seu poder de análise, suas virtualidades de teorização, seu agudo senso da problemática da educação nacional.
Além de seus trabalhos escritos - pareceres, indicações, estudos especiais, comunicações, conferências - todos publicados em Documenta, haveria que destacar sua rica e abundante produção de idéias no curso dos debates em Plenário e nas Câmaras. Algumas dessas idéias foram desenvolvidas em artigos, outras jazem perdidas nas esquemáticas anotações taquigráficas das sessões do Plenário.
Nesses debates se manifestava o que havia de marcante em seu caráter e em sua conduta intelectual: a lógica da argumentação, a firmeza e independência de suas convicções e, ao mesmo tempo, a flexibilidade do diálogo entremeado de fina ironia sem jamais ferir pessoalmente o interlocutor. Nas discussões mais calorosas a propósito de problemas educacionais de implicações políticas, revelava-se toda a inteireza de seu caráter, a energia serena com que defendia suas posições, sempre de maneira resoluta e inquebrantável quando se achavam em jogo seus princípios.
Os pareceres e demais estudos de Durmeval em sua condição de conselheiro nos oferecem uma visão crítica e realista da problemática educacional dos anos 60, principalmente no domínio do ensino superior, encerrando princípios de aplicação prática que ainda hoje conservam sua validade. Sem a pretensão, neste depoimento, de enumerar os seus trabalhos no Conselho, assinalarei dois estudos que, pela profundidade de análise e por sua temática constituem dois documentos de atualidade incomum em nossos dias. Refiro-me particularmente às duas conferências pronunciadas nos seminários de assuntos universitários realizados pelo Conselho, de 1966 e 1968, respectivamente sobre o governo da universidade e sobre a expansão do ensino superior.
Por
todos esses motivos, acredito que qualquer estudo sobre a obra pedagógica
de Durmeval, em seu conjunto, há de conferir especial realce à sua passagem
pelo Conselho Federal de Educação como sendo uma das fases mais fecundas de
sua vida de educador, tanto em seus aspectos práticos como teóricos."