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Problèmes relatifs à l'equivalence au Brésil

1) Texto apresentado na reunião promovida pela Unesco em Moscou,
de 3 a 8 de maio de 1968, para tratar da comparabilidade
e equivalência internacional de estudos secundários
e dos diplomas de graus universitários.
2) Relatório encaminhado à Unesco após a reunião.


1. Aspectos gerais do sistema

           a) No Brasil, o sistema de equivalência de cursos,* assim como de certificados de estudos, diplomas ou graus de ensino correspondentes, é estabelecido por lei e funciona sob o controle de organismos do Estado. Como em todos os lugares, aliás, alguns de seus aspectos estão relacionados às vicissitudes da democratização do ensino.

          A evolução experimentada por esse sistema apresenta características diferentes no ensino médio e no ensino superior. Sociológica no primeiro caso, ela se revestiu de um caráter sobretudo jurídico no segundo. Isso é compreensível, considerando-se que na área do ensino médio a luta pela democratização do ensino no Brasil ocorreu entre os anos 40 e 60: tratava-se então de fazer desaparecer as barreiras entre o ensino técnico e o ensino acadêmico, atrás das quais se dissimulava uma estrutura social dualista.

          No ensino superior, a sistemática da equivalência aperfeiçoou-se no que concerne aos aspectos de ordem formal; ela tornou-se mais simples, mais flexível e mais nítida. A partir de 1931, alguns traços gerais foram fixados, ao lado de variações superficiais.

          Todavia, nas duas áreas as mudanças foram mais de ordem legal que real: os fatos evoluíram dentro e fora das leis. Por exemplo: a equivalência no ensino médio entre a modalidade acadêmica e as modalidades técnicas, embora definida por lei, não pôde deter o processo academizante através do qual estas últimas, em vez de equivalentes, foram progressivamente ajustadas à primeira modalidade.

          No ensino superior, para dar apenas um exemplo - e este contrário ao precedente -, a estreita ligação da equivalência com o problema da habilitação profissional regulamentada por lei foi pouco a pouco ultrapassada pelos fatos.

          No ensino médio, o processo de equivalência quase que se limita a igualar, quanto ao nível, espécies diferentes de cursos; e no ensino superior, a identificar a mesma espécie sob formas distintas. No primeiro caso, a equivalência procura nivelar os ensinos industrial, secundário, comercial e agrícola; no segundo, reconhecer a identidade fundamental de um curso realizado em contextos educacionais diferentes. De um outro ponto de vista, esses dados indicam que no ensino médio a equivalência está estreitamente ligada à situação educacional interna do País, principalmente na perspectiva democratizante já mencionada, e no ensino superior ela é apenas uma forma de revalidação de diplomas, agindo como instrumento de comparação e de adaptação de diferentes sistemas de educação. As razões que explicam este fato são evidentes: de um lado, a tendência a uma certa homogeneização do primeiro; de outro, o sentido de especialização do segundo. Além disso, a ampliação dos contatos com os sistemas estrangeiros é, no Brasil, mais considerável no ensino superior que no ensino médio.

          Embora diferentes, essas duas perspectivas - a interna e a externa - se cruzam e se apóiam mutuamente, uma vez que a avaliação dos cursos e dos diplomas estrangeiros é feita sob a inspiração de critérios de valor conferidos aos nossos próprios cursos. Eis porque os aspectos internos de nosso sistema, ligados virtualmente apenas ao problema da comparabilidade internacional, figuram neste breve relatório.

           b) As tendências que se manifestam quando se trata da equivalência no Brasil se exprimem, como já assinalamos, na legislação e nos fatos. Na legislação elas podem ser demonstradas esquematicamente pela análise das etapas mais significativas. O primeiro sistema normativo da educação surgiu em 1931, com um conjunto de "leis orgânicas" que constituíam uma parte da ordem institucional realizada pela Revolução de 1930. No que concerne à equivalência, a lei mostrou-se bastante conservadora quanto ao ensino médio, e tornou mais pronunciado o dualismo entre a escola acadêmica e a escola profissional, enquanto parte de um esquema aristocratizante que, de maneira coerente, instituiu no ensino superior brasileiro uma faculdade de filosofia inspirada em Humboldt. Quanto aos cursos universitários, alguns princípios e critérios fundamentais de equivalência estabelecidos naquela ocasião foram conservados até hoje. Desde então, a evolução das normas de equivalência nos dois ensinos - o médio e o superior - seguiu linhas diferentes.

  

2. Ensino médio

           As modificações ocorreram de dez em dez anos: depois de 1931, uma outra lei orgânica instituiu em 1942 a equivalência no Brasil, aperfeiçoada mais tarde por uma nova lei em 1950 e ampliada em 1961 pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

          Atualmente, o sistema escolar brasileiro é regido por esta lei, cujas normas sobre a equivalência representam um considerável progresso para a unificação da escola média no Brasil. Para estabelecermos uma base de referência, convém observar:

          a) nossa escola média é dividida em dois ciclos: o ginasial (1º ciclo) e o colegial (2º ciclo), e abrange, entre outros, os cursos de ensino secundário geral, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário;

          b) o ensino técnico, que compreende os cursos industriais, comerciais e agrícolas, além de outras modalidades do ensino médio, é ministrado em 7 anos de estudos (4 para o ginasial e 3 para o colegial).

          A equivalência obedece às seguintes normas:

          a) os dois primeiros anos do ginasial, em todas as modalidades de cursos, têm os mesmos currículos;

          b) os dois últimos anos do 1º ciclo ministram quatro matérias do curso ginasial secundário e, no 2º ciclo, o colegial técnico ministra cinco matérias do colegial do curso secundário;

          c) cada ciclo secundário oferece sempre uma disciplina vocacional;

          d) os alunos que tenham completado uma das modalidades de curso têm acesso a todos os cursos de graduação da universidade.

           Quanto aos estudos feitos em outros países, a equivalência é assegurada pela LDB mediante adaptações determinadas pelos diferentes sistemas escolares (existem estabelecimentos ligados ao sistema federal e outros aos sistemas dos diferentes estados federados), aos quais a lei concede uma relativa autonomia. O Conselho Federal de Educação estabeleceu, quanto aos princípios, que nesses casos particulares a equivalência "se fundamente em termos de maturidade intelectual e signifique uma possibilidade de continuação de estudos em nível mais avançado (ela não dá, no entanto, nenhum direito a uma atividade profissional específica); e, quanto às normas, que sejam levados em consideração o conteúdo, a duração dos estudos, o regime de freqüência, as atividades educativas complementares e o grau de atendimento às exigências do curso. O exame de Português será sempre obrigatório se esta matéria não figurar nos documentos como tendo sido já estudada.

           Algumas dessas normas merecem ser comentadas:

          a) quando há diferenças entre os sistemas escolares, o elemento de verificação para a equivalência é estabelecido com base em exigências, por um lado comuns, e por outro fixadas pelo sistema particular. Para o 1º ciclo, com um mínimo de 7 disciplinas, 5 são gerais e determinadas pelo Conselho Federal de Educação: Português, Geografia, História, Matemática e Iniciação às Ciências; para o 2º ciclo e com um mínimo de 6 disciplinas, haverá, além do Português, uma das disciplinas acima mencionadas;

          b) a duração é analisada não somente quanto ao número de anos, mas também quanto ao número de horas e a intensidade do regime escolar (tempo integral ou internato). Observação importante: além da autonomia dos sistemas escolares, a jurisprudência ratifica a da própria escola. "A competência é mais da escola que dos sistemas escolares". "As normas reguladoras devem deixar à escola - aos seus administradores e aos seus professores - uma margem de autonomia e de liberdade que possa se conciliar com os direitos que a LDB lhe assegura com tanta ênfase".

  

3. Ensino superior

           A equivalência no ensino superior é matéria de lei e de acordos culturais com outros países. Neste setor, é preciso distinguir entre revalidação e transferência: a primeira enquanto ato de homologação de diplomas, e a segunda, de estudos realizados no estrangeiro.

           a) Normas legais

           I. Quanto à revalidação:

                     O sistema legal do qual a revalidação depende se reduz às seguintes normas fundamentais: (1) O valor legal e o registro de diplomas estrangeiros ou nacionais se limitam aos cursos (de graduação ou de pós-graduação) que dão o direito de exercer as profissões liberais - regulamentadas pela lei - e possibilidade de admissão em cargos públicos; (2) Se nenhuma de nossas escolas possui curso similar sancionado por um diploma que possa ser registrado em relação com o diploma estrangeiro, este não poderá obter validade nacional, nem ser registrado; (3) Cabe às universidades promover a revalidação, de acordo com critérios e normas estabelecidos por elas e figurando em seus respectivos estatutos; (4) "A comparação do currículo com aqueles de cursos similares que, em nosso país, dão acesso à profissão, deve ser um dos elementos de revalidação e se fará em cada caso específico. Essa comparação não se limitará, é evidente, a verificar as correspondências nominais dos estudos ou das disciplinas, mas levará em conta, sobretudo, seu conteúdo concreto, a duração dos cursos e seus objetivos". O princípio de reciprocidade internacional, no que concerne à equivalência, exigido por algumas escolas, foi descartado como impraticável pelo Conselho Federal de Educação. Os cursos de pós-graduação, devidamente estruturados no Brasil em 1965, abriram uma nova área para a equivalência e para as possibilidades que ela oferece ao progresso científico do País, seja através do aperfeiçoamento de seus diplomados, seja pela possibilidade de receber a contribuição estrangeira. Segundo a doutrina formulada pelo Conselho, a pós-graduação abrange dois níveis: o mestrado e o doutorado. Embora obedecendo a uma hierarquia, o mestrado não é condição indispensável para a inscrição no curso de doutorado. A duração mínima desses cursos será, respectivamente, de um a dois anos. "O mesmo curso de pós-graduação poderá receber diplomados oriundos de diferentes cursos de graduação, desde que eles possuam certa afinidade".

          O sistema acima resumido existe há 30 anos, como foi visto, e em alguns aspectos fundamentais está ultrapassado pelos fatos. Sob o impacto destes, a legislação sofreu numerosos retoques e atenuações, sem se desembaraçar, no entanto, de algumas perplexidades com que teve de lidar ultimamente. Registremos alguns casos:

          a) a utilização em um curso, sob a forma de crédito, de estudos feitos em um outro curso, mediante o exame comparativo dos currículos estabelecidos pelo próprio estabelecimento de ensino;

          b) a possibilidade de isentar de exame aqueles que solicitam a revalidação - o que já foi feito por algumas universidades;

          c) concessões particulares, quanto aos aspectos de ordem formal de documentação, aos refugiados e vítimas de guerras;

          d) modificações consideráveis nos procedimentos de revalidação (por exemplo, isentar do exame de admissão, que corresponde de certa forma ao bacharelado) - modificações admitidas pelos acordos internacionais que definem uma política de cooperação cultural e técnica.

Mais importante que todas essas modificações é o fato de o Governo, através do Conselho Federal de Educação, ter aprovado cursos profissionais não regulamentados pela lei, em casos de interesse social evidente.

           II) Quanto à transferência:

           A LDB fixou a norma geral, que atribui - em certos casos ao CFE e em outros às universidades e aos conselhos estaduais de educação - o direito de dispor sobre as "adaptações" a serem realizadas pelo aluno. Este dispositivo foi regulamentado pelo CFE a partir de uma definição doutrinária sobre a adaptação: "É o conjunto de trabalhos estabelecidos pelo estabelecimento no qual o aluno deseja ingressar, com o objetivo de classificar ou orientar, quanto aos seus próprios programas e níveis de estudo, aquele aluno oriundo de uma outra escola cuja estrutura didática é diferente da sua, no todo ou em parte". Do conjunto de normas estabelecidas pelo Conselho, assinalemos aquelas que se relacionam mais estreitamente ao nosso tema: (1) "Os aspectos quantitativos e de ordem formal do ensino não devem se superpor ao desejo de levar em conta principalmente a integração de conhecimentos e de possibilidades que o curso oferece no contexto de formação cultural e profissional do estudante". (2) "A adaptação refere-se aos estudos feitos ao nível de graduação, excluindo o concurso de inscrição e todas as atividades anteriormente realizadas pelo aluno com o objetivo de preparar-se para a admissão no curso". (3) "Em todo processo de adaptação não se poderá dispensar ou substituir qualquer matéria do currículo mínimo fixado por este Conselho, quando se tratar de curso correspondente a uma profissão regulamentada". (4) Quando não existir currículo mínimo fixado para o curso, porque este não corresponde a uma profissão regulamentada, o estabelecimento que recebe o aluno poderá exigir o estudo de matérias de seu próprio currículo, ou ainda, como solução pedagógica mais adequada, levar em conta aquelas que já foram cursadas e que, segundo seu próprio critério, apresentem um valor informativo equivalente. (5) No caso de estudos suplementares serem exigidos tendo em vista o processo de adaptação, eles poderão ser feitos através da inscrição nas disciplinas, aí incluídas na hipótese da nova escola não ter adotado o sistema de créditos.

 b) Acordos culturais

           Entre os 45 acordos culturais assinados com outros países (alguns dos quais aguardam ainda uma ratificação), alguns possuem um caráter especial como instrumento de cooperação cultural e técnica: os assinados entre o Brasil e as repúblicas da América do Sul e da América Central. Do ponto de vista da equivalência, as cláusulas mais importantes desses acordos são: a isenção do exame de admissão e o respeito aos limites de ordem constitucional e legal de cada país, com relação ao exercício profissional. No entanto, é preciso assinalar, como característica da política à qual eles servem, a importância atribuída pela maioria deles às áreas científicas e profissionais que sofrem escassez de quadros no país, esses setores sendo prioritários para os benefícios do acordo.

          Podemos, assim, distinguir dois tipos de pessoas que no Brasil obtêm a equivalência no plano internacional: aquelas que chegam em nosso país devido a interesses ou vicissitudes de ordem pessoal e aquelas que são influenciadas pelo apelo dos programas de cooperação cultural e técnica. Infelizmente, essa política freqüentemente não é mais que um "gesto" diplomático e não tem podido produzir os benefícios que carrega consigo.

 

 4. Comentário

           O sistema de equivalência no Brasil não atende às necessidades de seu desenvolvimento; ele não corresponde às linhas da política governamental já proclamadas, mas que são, por falta de coerência, ignoradas por um sistema educacional ainda muito alienado. Isso indica a distância que existe ainda entre a política proclamada e a posta em prática, entre as palavras e a práxis nacional devidamente interpretada pelas elites, na área da educação. A diferenciação do sistema universitário, para fazer face, principalmente, à diversidade das ocupações, mas também para permitir a expansão da pesquisa científica já anunciada com a última reforma universitária (1966) e com a institucionalização da pós-graduação (1965); o interesse de manter no Brasil nossos homens de ciência e de atrair os do exterior; o estágio do desenvolvimento industrial e tecnológico brasileiro, à procura de bases autônomas, todos estes fatores se mostraram insuficientes para dinamizar, como seria necessário, o sistema educacional e para eliminar o "jurisdicismo" burocrático e paralisante de nosso sistema de avaliação e de valorização (os dois conceitos estão inclusos na idéia de equivalência) dos diplomas. Na ordem dos fatos, os casos sem solução se repetem, num sistema cuja estreiteza provoca, por isso mesmo, penosas frustrações individuais. O Ministério da Educação considera que a restrição dos "favores" da equivalência unicamente aos cursos que dão acesso às profissões regulamentadas pela lei não acarreta prejuízo a ninguém, porque nos outros casos as pessoas interessadas podem exercer livremente suas atividades sem precisarem validar seus títulos. Trata-se de um ponto de vista formal, oposto e contrário aos fatos, como assinalamos.

          Analisando o sistema em seu conjunto, é preciso ressaltar dois aspectos: a limitação artificial das categorias de cursos que obtêm uma validade, e a forma "cartorial" como isso se processa. Quanto ao primeiro, a revalidação constitui no Brasil um simples aspecto do problema da habilitação profissional, sem qualquer influência no plano das atividades universitárias. A razão fundamental, me parece, estaria ligada às condições tradicionais da vida cultural e universitária brasileira, onde faz falta uma verdadeira atividade científica. Reduzida assim a um objetivo de caráter "profissionalizante", nossa organização universitária não pode abrir-se ao intercâmbio científico, principalmente no 3º ciclo universitário - curso de pós-graduação -, onde acontece a articulação decisiva dos cursos no desenvolvimento das carreiras de caráter acadêmico. Quanto ao segundo aspecto, o que preconizamos não é a extensão do processo "cartorial" aos cursos que dele estão excluídos, mas mudar o sistema de registro, para que ele possa abranger todos os cursos.

          A revalidação, como nós a imaginamos, seria um método de análise e de informação sob a responsabilidade de determinadas instituições científicas, universitárias ou profissionais - do Estado ou privadas, mas sob a autoridade do primeiro - a fim de estimular o fluxo de estudantes, de homens de ciência e de profissionais, no plano interno e internacional.

          Somente a cooperação dessas diferentes instituições, assim como a utilização de outros meios de avaliação, poderiam dinamizar o sistema, conferindo-lhe a objetividade necessária. É importante ressaltar que os procedimentos de revalidação não devem se limitar aos organismos de educação, para não reforçar o autismo em que eles vivem, o que constitui um dos principais fatores de sua alienação. Assinalamos ainda um outro aspecto negativo de discriminação adotado no sistema brasileiro: dado o prestígio que goza entre nós, por razões culturais, a "chancela" do Governo, a validade oficial de determinados cursos e a não-validade de outros significam um julgamento de valor. É evidente, repetimos, que não devemos imaginar um regime de autorização oficial para todos, pelo menos na forma mecânica em vigor; o que defendemos pode se resumir em duas proposições: (1) As normas a serem estabelecidas devem ser um fator estimulador, mais que um controle; elas devem ser menos "cartoriais" e mais pragmáticas, enquanto instrumento de uma política global da educação. (2) Neste sentido, os atos formais ou oficiais, apoiando-se na pesquisa dos elementos "substantivos" de cada situação, poderão abrir o caminho para os diplomados e orientar convenientemente as instituições que os recebem. A informação e a ajuda estimulante são, sem dúvida, mais necessárias que a aprovação oficial ou a concessão de privilégios.

Nota
1 A expressão "curso" no Brasil pode significar:
a) o ensino de um grau determinado: curso primário, curso médio;
b) uma modalidade do ensino de um grau determinado: curso secundário, curso industrial no interior do ensino médio;
c) um ramo do ensino superior: curso de ciências sociais etc., cada um deles abrangendo diversas disciplinas (matérias de ensino: a Sociologia, a Política etc.); "cours" jamais designa uma classe, no sentido francês do termo.

 


Durmeval Trigueiro Mendes
Problèmes relatifs à l'equivalence au Brésil.
Texto apresentado na reunião promovida pela Unesco.
Moscou, 1968.
(Traduzido do francês por M. M. T. Mendes)

 

RELATÓRIO

O processamento da reunião

           1) A minha impressão sobre o conjunto da reunião é que, apesar de ter permitido alguns esclarecimentos e desdobramentos do assunto, ela não ofereceu condições para uma análise em profundidade que levasse, inclusive, à consideração de importantes aspectos além dos contidos nos documentos fornecidos pela Unesco através do Secretariado do Comitê. Parece-me que, mais que receber luzes, a maior parte dos membros do Comitê as forneceu - o que não deixa de ser paradoxal, tratando-se de uma reunião de experts.

          2) Três me parecem ser as razões fundamentais desse fato: 1º) a composição do Comitê; 2º) a deficiência de providências; 3º) o condicionamento dos trabalhos a pontos de vista já estabelecidos, e isto graças à ação ora sub-reptícia ora ostensiva do Secretariado (Trapero).

 

 Composição do Comitê

           Os membros do Comitê podiam ser divididos em duas categorias: a dos técnicos e a dos administradores. Evidentemente, o administrador do campo da educação pode ser igualmente um técnico, mas no caso, os que incluo aqui nessa categoria não apresentavam um padrão técnico - nem no assunto da reunião, nem genericamente, em matéria educacional - que os credenciasse à posição de experts.

  

Falhas da presidência

           O Presidente Bogmolov não soube disciplinar a discussão, que se tornou, por isso mesmo, completamente flutuante: cada um falava do que lhe aprouvesse, fora da pauta do dia, abordando em geral os mais variados aspectos em cada intervenção. Tornou-se impossível fixar um aspecto de cada vez, e aprofundá-lo. Daí a flutuação e o pouco rendimento dos trabalhos.

 

 Ação do secretariado

           Rybnikov revelou-se jejuno no assunto, embora sempre muito amável e solícito. Trapero trabalhou muito, mas mostrou-se embaraçado até o penúltimo dia com o método improdutivo da Presidência e com os problemas decorrentes da ausência do Relator, George Vedel. Afinal, no penúltimo dia, viu-se obrigado a tomar a si a principal responsabilidade na redação do projeto de rapport, com a cooperação, ao que me parece, do Grandpré (do Secretariado) e do Aitken (observador ligado há bastante tempo às atividades da Unesco.

          Sua participação nas discussões teve, a meu ver, duas características, entre outras:

          a) a preocupação de ajustar-se aos pontos de vista do Al-Faci, que se apresentava como a origem desses trabalhos da Unesco sobre equivalência;

          b) o empenho de que as idéias contidas nos documentos de trabalho oferecidos pelo Secretariado fossem discutidas para serem... aprovadas. Isto, apesar das reiteradas declarações de que o Comitê não estava condicionado por aqueles textos.

  

Problemas de doutrina

           Aqui vão algumas opiniões pessoais, só enumeradas, por falta de tempo para abordá-las mais amplamente:

            1) O aspecto sociológico

           A Unesco fez muita ênfase no interesse especial que a reunião poderia representar para os países em vias de desenvolvimento. Segundo ficou claro na reunião, o interesse estaria em assegurar aos cursos e diplomas desses países os mesmos direitos dos que são conferidos pelos países desenvolvidos. Esse é um aspecto realmente importante do problema, mas não é todo o problema. O desejo de alcançar o nivelamento dos diplomas - e, portanto, dos cursos - pode introduzir (e é o que na realidade acontece freqüentemente) a tendência, em alguns países subdesenvolvidos, a modelar seus cursos pelos dos outros, com sacrifício de suas particularidades sociológicas e econômicas. Este fato foi denunciado formalmente pela Organização Mundial de Saúde: os médicos de certos países, formados noutros países de estrutura social e econômica totalmente distinta, constituíam entraves ao desenvolvimento dos padrões convenientes da medicina nos seus lugares de origem. Claro que não defendo que os países subdesenvolvidos tenham um nível inferior de cursos, mas que os organizem segundo suas conveniências próprias.

          Aliás, o conceito de equivalência afasta essencialmente o de identidade. Equivalência implica:

          a) a diversidade de modelos;

          b) a possibilidade de atribuir a modelos diversos valor igual - mas não a forma igual.

          Essa distinção, que defendi na reunião, com as suas decorrências, encontrou resistência do Secretariado e dos representantes dos países desenvolvidos. Os representantes dos países subdesenvolvidos ficaram hesitantes, mas não me acompanharam. Pareceu-me que eu tocava num ponto crítico, pois a ambos os lados interessa o statu quo que define um certo tipo de colonialismo cultural. Os africanos e asiáticos devem sentir-se felizes podendo ostentar diplomas iguais aos de Oxford e da Sorbonne. O que acontece, porém, é que isto agrada aos diplomados, assegurando-lhes o direito de integrar essa pequena elite alienada nos seus países, mas não agrada aos próprios países e aos seus povos. Parece-me que o propósito da Unesco quando, a respeito da equivalência, menciona o seu especial interesse pelos países subdesenvolvidos, não é o de transformá-los em mecanismo sutil de discriminação social, mas, ao contrário, num instrumento de democratização.

          Seria muito interessante que a Unesco dedicasse parte de seus esforços, relacionados com a equivalência, a esse aspecto que representa a dimensão sociológica do problema. Do contrário, resvalaremos para o jurisdicismo e para a educação desencarnada - como me pareceu ser, até certo ponto, o clima de nossa reunião.

 

           2) O aspecto metodológico

           A Unesco procura caminho para uma "ação normativa internacional" em matéria de equivalência. Que tipo de denominador comum pode ser encontrado para facilitar a comparação dos cursos e diplomas, e aferir-lhes a equivalência? A tendência dominante, mesmo nos documentos de trabalho da Unesco para a reunião, é de basear a comparação no conteúdo dos cursos. De minha parte, acho muito mais importante, sobretudo na etapa inicial, estabelecer uma metodologia comum aos diversos países, do que fixar conteúdos comuns. Essa solução não é apenas preferível, como, a meu ver, a mais viável no começo. Os conteúdos dos estudos estão muito próximos da peculiaridade de cada país, que eles refletem e a que nenhum deles desejaria renunciar. O que é possível, e desejável, é criar mecanismos de comparação e de avaliação dos cursos, os quais, sob a coordenação e o estímulo da Unesco, permitam aos países membros levar na devida conta os estudos realizados pelos interessados e estabelecer a equivalência entre os dois padrões - o do país de origem e o do país de destino. Equivalência segundo o conceito há pouco formulado.

          Propus à reunião de experts um esquema dentro dessa linha de raciocínio, o qual está consubstanciado no texto anexo: "Proposition relative à l'action à long terme de l'Organisation".

          Propus ainda que no relatório final se indicasse a conveniência de serem reorganizados os serviços - governamentais ou universitários, segundo os países - encarregados do estudo da equivalência e do registro dos diplomas. Atualmente, esses serviços são meramente burocráticos, cartoriais, e a cargo de pessoas sem qualificação adequada. (Veja-se o caso do Brasil.) É necessário a intervenção de outras instâncias - ou de representantes destas: órgãos universitários, órgãos de política científica, órgãos de habilitação profissional etc.

          Várias dessas idéias foram aproveitadas no rapport final, embora num contexto diferente.

  

          3) O acesso à universidade

           A metodologia acima proposta se aplicaria igualmente ao problema do acesso à universidade. É razoável, e mesmo necessário, a adoção de esquemas "conteudistas" - por exemplo, o baccalauréat internacional, a escolha de algumas matérias chave, como a matemática, etc., como termo de referência - mas, ainda nesse ponto, acho mais importante - e viável - obter que todos os países adotem uma metodologia comum, que um programa comum de estudos. Não penso que uma fórmula exclua a outra, pois elas são complementares.

          Dentro dessa perspectiva, como estabelecer a comunicação no sentido de universalidade, desejada pela Unesco? Como conciliar a necessidade de comunicar, de ligar e unir, com o caráter inelutavelmente particular dos sistemas nacionais? Aí é que está o fundo do problema. Convém lembrar que as diferenças dos cursos se exprimem quantitativa e qualitativamente: trata-se de um problema de extensão de nível. E também, que a quantidade e a qualidade da educação dada por cada país depende de seus recursos materiais, culturais, que são inevitavelmente desiguais (a Alemanha pode oferecer uma escolaridade de 9 anos para todo mundo - e nós?).

          Qual o caminho para a solução? Se é impraticável - e indesejável - qualquer solução niveladora, uniformizante, devemos buscá-lo em mecanismos de análise comparativa e de informações, capazes de verificar o valor real dos cursos sob a capa de denominações diferentes e, às vezes, de pretensões mal colocadas. Toda medida niveladora se coloca, por definição, no sentido oposto ao da equivalência. Porque esta é fundada sobre o conceito da analogia, e aquela, no conceito de univocidade.

          Em suma, a reunião de Moscou me parece orientada para medidas niveladoras que me parecem, inclusive, irrealistas - pois inaceitáveis pelos países; e preocupada em criar igualdades, até certo ponto artificialmente. E a minha posição era de reconhecer as desigualdades (pois o fato de ignorá-las não as faz desaparecer), mas também de torná-las convergentes mediante um processo dinâmico em que a distinção é admitida como elemento de conciliação, e não de separação.

 

           4) A equivalência no ensino médico

           A equivalência no ensino médico - objeto também de nossa reunião - foi apreciada apenas em função do acesso à universidade. Não faço objeção a essa restrição, já que não deveríamos sobrecarregar a nossa agenda. Entretanto, como perspectiva para o desdobramento dos estudos da Unesco nesse campo, acredito que seria altamente desejável examinar o problema de comparabilidade no nível médico, considerado em si mesmo, já que só por um de seus aspectos ele é um ensino propedêutico, restando por outro aspecto - e este cada vez mais importante - um ensino autônomo, com finalidades próprias. Acontece, porém, que a organização do ensino médico se diferencia grandemente, segundo a filosofia educacional - e, no fim das contas, social - de cada país. Em alguns ele é unificado, noutros, desdobrado em modalidades diversas, mas equivalentes, e noutros ainda, separado em duas vertentes, a acadêmica e a técnica. Vale ainda lembrar que, na segunda hipótese, a equivalência é mais formal que real (caso do Brasil). Nessas condições, o estudo da equivalência no ensino médico me parece indispensável. Basta pensar em certas hipóteses correntes: dos alunos transferidos em meio de curso, ou dos diferentes conteúdos do ensino técnico do nível médico em países diferentes.

          Lembro, finalmente, a respeito de um possível baccalauréat internacional, que é muito difícil baixá-lo numa só matéria. Nos Estados Unidos, tornou-se muito importante para ajuizar das capacidades e aptidões vocacionais de um estudante que ingressa na universidade, fixar-lhe o "perfil intelectual", que não pode ser definido senão mediante uma sondagem global de seus conhecimentos e experiências. Aliás, esse é o sistema de acesso na Universidade de Brasília. Assim sendo, parece-me conveniente considerar esses estudos sobre o baccalauréat internacional como elementos integrantes de um diagnóstico que, todavia, os ultrapassa. Essa reflexão reforça minha tese: como é difícil o nivelamento, o fundamental é estabelecer processos de análise e de crescente aplainamento de coisas desiguais.

Durmeval Trigueiro Mendes
Reunião de Moscou sobre comparabilidade e
equivalência internacional de estudos secundários
e dos diplomas de graus universitários
- Relatório
apresentado à Unesco. Paris, 1968.