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Indicações para uma política da educação no Brasil


Desenvolvida no âmbito da administração pública (INEP, Centros
de Pesquisa) e na Universidade, a pesquisa educacional
no Brasil não tem servido de base à política educacional,
quer por não situar a educação dentro do quadro mais amplo
da estrutura social, quer pela inadequação dos temas selecionados.
Propõe, para tanto, uma agenda de temas pertinentes à realização dessa pesquisa.

 

Pesquisa no Ministério da Educação e na Universidade

           A pesquisa educacional no Brasil desenvolveu-se no âmbito da administração (MEC, basicamente) e da universidade. Historicamente, começou por aquela através do INEP, tendo-se estendido a esta última, em grande parte, por influxo da própria administração. Basta lembrar que os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais estavam vinculados às universidades de suas respectivas regiões.

          Parece-nos importante distinguir, no caso da educação, a pesquisa acadêmica e a pesquisa destinada à administração. Na verdade, elas formam uma só, valendo a distinção, no entanto, para marcar a predominância de diferentes interesses e objetivos num e noutro caso. Paradoxalmente, os órgãos destinados ao segundo tipo de pesquisa têm-se dedicado ao primeiro, como ocorria na maioria dos citados CRPE. Isso se explicava pela situação desses órgãos dentro do sistema estabelecido: vinculados à Universidade, tanto quanto ao INEP e às secretarias de educação dos estados, eles sofreram a influência avassaladora da primeira dessas instituições, uma vez que seus programas de pesquisa e ensino eram providos de professores universitários e segundo métodos acentuadamente acadêmicos.

          A alusão aos CRPE tem sentido apenas ilustrativo. Longe de nós supor que o sistema em que estava enquadrada a pesquisa educacional no Brasil fosse o único responsável pelo seu relativo insucesso. As causas são mais profundas. Gostaríamos de chamar a atenção para um fato que nos parece capital: a pesquisa educacional entre nós não tem sido levada em conta pelos órgãos da política educacional, daí perder substância, continuadamente. Além dos problemas epistemológicos de sua realização, a pesquisa educacional tem constituído uma atividade "fora de foco", por vezes distanciada dos problemas centrais, nem sempre apta a fornecer à política educacional os subsídios e estímulos de que esta necessita; em revide, os órgãos da administração a ignoram, formando-se, dessa maneira, um círculo vicioso: quanto menos objetiva a pesquisa, mais marginalizada por esses órgãos; e quanto mais desprestigiada, mais "fora de foco", e assim sucessivamente. Acontece que a própria marginalidade da pesquisa deriva, em grande parte, da indiferença ou hostilidade revelada pela administração em relação aos padrões de racionalidade que se originam, parcialmente, da investigação científica. As responsabilidades pela crise, portanto, se dividem por ambos os lados, valendo notar que a análise dessa mútua e dialética implicação já deveria ser objeto de uma pesquisa.

          Essas observações visam à formulação de algumas hipóteses: a) a pesquisa educacional se vitaliza em contato com a práxis educacional; b) No Brasil , essa práxis está sob o controle predominante dos órgãos governamentais da educação, seja do ponto de vista normativo e institucional (leis e planos), seja do ponto de vista administrativo e financeiro; c) entre os órgãos governamentais e a pesquisa educacional surgiu, como vimos, uma situação de desencontro de que resulta a crescente debilidade desta última; d) a Universidade poderia servir de baluarte à pesquisa nacional, protegendo-a das vicissitudes a que ela está sujeita na Administração. Mas a alienação na Universidade se caracteriza, entre outras coisas, pelo seu desinteresse e inconsciência em face da educação como processo social global, em que ela própria está inserida como uma das instâncias mais decisivas.

          O papel da Universidade no domínio da pesquisa educacional seria tanto mais importante quanto mais apta ela deveria ser - teoricamente - para um tipo de instrumento que os órgãos administrativos da pesquisa raramente conseguem desempenhar de forma desinibida: a função crítica, a visão abrangente e integrada de aspectos multidimensionais da educação, o processo heurístico em busca de novas idéias e experimentos. Os órgãos de pesquisa ligados à Administração oficial ficam presos ao imediatismo dos problemas com que esta se defronta, e seus trabalhos muitas vezes são mais expedientes para a ação imediata do que pesquisa para o processo continuado e global da educação.

  

De onde virá a salvação?

           Em face dessas observações, parece-nos de vital importância para a educação brasileira estabelecer uma nova estratégia e novas instrumentalidades de pesquisa. Não se trata de ignorar os órgãos governamentais ou universitários que a ela se dedicam, mas de estabelecer outras frentes de trabalho que não estejam comprometidas, a priori, com uns ou com outros. Frentes de trabalho que não venham, portanto, a sofrer os bloqueios a que ambos estão sujeitos, mesmo que possam contar com integrantes da Universidade ou da Administração.

          Na verdade, as pessoas que trabalham no sistema, sobretudo as que o elaboram, constituem parte dele, e a esta altura não são capazes, algumas vezes, de pensá-lo senão para justificá-lo. É importante capitalizar a consciência crítica de todos os que nele estão incluídos: os educadores "heterodoxos", os filósofos e os cientistas sociais seguem a razão, e não a razão oficial .

          Parece-nos fora de dúvida que a salvação para a educação brasileira não virá de nossos pedagogos. Do ponto de vista do pensamento, virá sobretudo do filósofo, do cientista social e do educador lato sensu, ou seja, dos que se mostrem aptos para exercer em relação à educação uma consciência crítica e aperceptiva, envolvendo as conexões que ela mantém com tudo aquilo de que depende o seu próprio sentido e valor. Isso equivale a dizer que a salvação para a educação terá de vir de fora, na mesma medida em que ela é parte do processo social, e os problemas de uma só podem ser compreendidos juntamente com os do outro. Numa cultura tendencionalmente integrada, em que cada parte da sociedade interioriza o todo, o bom funcionamento da educação obedece, por assim dizer, a impulsos espontâneos sem que seja necessário o apelo repetido e explícito à sociedade como instância normativa ou retificadora. Normas fundamentais prendem uma à outra na mesma linha de homogeneidade.

          Em tais condições, o pedagogo freqüentemente interioriza a sociedade e encarna o acordo implícito entre a educação e os valores, objetivos e exigências da sociedade.

          Quando ocorre, porém, um descompasso entre um subsistema e o sistema social global, cessa a possibilidade dessa integração espontânea. O integrante de um subsistema tende a vincular-se a ele, interiormente, elaborando sobre esse húmus inconsciente o seu compromisso intelectual. Através do subsistema em que está inserido é que, as mais das vezes, ele se compromete com o sistema global. Figuremos, então, as duas hipóteses - a do conflito e a da coerência entre o sistema e o subsistema - advertidos, porém, de que o importante não é a coerência ou o conflito em si mesmos, mas a significação concreta de uma ou de outra. Cabe perguntar, antes de mais nada, se a parte está em dessincronia com o todo por inércia dela própria, ou por inércia do todo. O primeiro caso ocorre normalmente quando inexiste um projeto de mudança que articule todas as peças da engrenagem, e então o dinamismo espontâneo da sociedade é maior, obviamente que o de algumas partes - aquelas que são mais propensas à inércia, como é o caso do sistema educacional. A segunda hipótese se verifica quando projetos específicos acionam partes destacadas do todo sem que este lhes acompanhe o diapasão.

          Nas hipóteses acima figuradas, o descompasso é fruto de desequilíbrio, e este, por sua vez, ou do movimento da sociedade abandonada aos seus próprios impulsos, ou de impulsos setoriais operados sem a perspectiva do contexto global.

          Poderíamos ainda acrescentar, como terceira hipótese, o movimento sinergético, coerente e planejado das partes e do todo, visando, porém, a soluções puramente aumentativas, que não implicam mudança de estrutura, isto é, no sistema de relações, seja das partes entre si, seja destas com o todo.

          A todas estas hipóteses podemos opor a do desequilíbrio, ou descompasso provocado; não por força da inércia, mas em virtude de um projeto. E, ainda, a hipótese de que esse projeto esteja orientado no sentido de soluções qualitativas e estruturais. Dentro destas duas últimas hipóteses se torna muito difícil ao pedagogo como tal (na conjuntura brasileira) continuar sendo o guia exclusivo do próprio sistema educacional. Cessando os automatismos do equilíbrio, ou tornado indesejável o próprio equilíbrio existente, impõe-se a liderança de uma visão que não esteja confiada à particularidade (subsistema) nem movido pelos automatismos com que esta se vincula ao todo. Há necessidade de uma perspectiva ao mesmo tempo abrangente e crítica, apta a lidar com a totalidade e, sobretudo, a instaurá-la. O pedagogo será capaz dessa alteração na medida em que ultrapassar a sua condição de pedagogo. Entre outras coisas, e acima de tudo, ele precisa realizar uma espécie de "redução" fenomenológica, corrigindo as refrações de sua óptica, depurando o seu saber, dissociando, por fim, a verdade (provisória), para a qual todo cientista deve tender, da institucionalidade em que qualquer um deles pode derrapar por força de suas vinculações a instituições ou subsistemas. (Vinculações que constituem, como é sabido, uma das fontes da ideologia.)

          É necessário libertar a educação e o próprio pedagogo da tendência à inércia. Não imaginamos, a rigor, que a liderança das transformações educacionais deva, pura e simplesmente, transferir-se do pedagogo para os cientistas sociais. A mudança da sociedade só pode operar-se quando se opera a mudança do todo, requerendo esta, no plano científico, a visão interdisciplinar e, no plano político, o projeto criador.

  

O educador e o profeta

           Quanto à instauração de uma nova paideia (ligada a uma nova práxis), cremos que não se poderia afirmar a priori que deva ser tarefa específica dos cientistas sociais. Parece claro que o saber dos cientistas sociais, no caso da educação, será mais crítico do que criador; mais condicionante do que determinante. Com uma perspectiva que seja também prospectiva, os cientistas sociais se aproximam bastante da criação de novos padrões educacionais sem tornar-se, contudo, sua "causa eficiente" mais importante. Cremos que a causa eficiente e vertical deverá ser exercida, sobretudo, pelo educador: disciplinado pela razão política, que constitui parte da razão pedagógica, depurado pela "redução" fenomenológica de seu saber, e motivado pela visão multidisciplinar da totalidade. O psicólogo, o sociólogo, o antropólogo - sobretudo estes - poderiam alongar-se em educador com as características aqui acenadas.

          Nesse ponto, a contribuição de pensadores como Dewey, por exemplo, é particularmente importante na medida em que a educação, para ele, não constitui um "negócio à parte", mas, ao contrário, segundo as expressões do filósofo americano, o próprio "coração da sociabilidade do homem". "Educar", assevera ele. "é extrair do presente a espécie e a potência de crescimento que este encerra dentro de si." A educação se torna, em certo sentido, transparência da práxis social. Na verdade, o educador é um dos construtores do homem e da cidade, o que leva imediatamente à percepção de sua dimensão política e de sua função civilizatória.

          A crise da educação brasileira resulta, em grande parte, do esfacelamento da própria educação e das solidariedades que ela expressa. Ela se torna cada vez mais uma ocupação de "pedagogos", em vez de uma preocupação de cientistas sociais (sobretudo antropólogos), de filósofos, de artistas etc. Considerando, por exemplo, os poucos filósofos que militam na educação entre nós, vê-se que, na maioria, eles se convertem em "pedagogos" despojados de tudo que o seu saber próprio deveria trazer à pedagogia para dar-lhe sentido e substância.

          A pedagogia só tem especificidade própria como método de coordenar e aplicar saberes que a transcendem. Substancializar a pedagogia representa uma tentativa falaciosa e funesta. Graças a essa ilusão, perdura e se amplia o equívoco da educação alienada - tanto mais sofisticada quanto mais inócua (e por isso mesmo). As reformas educacionais se elaboram numa proveta pedagógica, sem a matéria do magma social.

  

O saber e o poder

           Parece claro que a divisão do saber e o confinamento dos especialistas nas suas áreas de conhecimento constituem postulados - inconscientes ou não - de qualquer regime conservantista. Nas épocas mais dinâmicas, o impulso de alguns dos setores da sociedade tende a envolver os demais, como ocorre com a sociedade industrial. A visão do todo envolve estímulos que se transferem cumulativamente de uma parte para outra. Se se trata de uma sociedade integrada, a visão de totalidade serve para reforçar a integração; em caso contrário, para estimular a desestruturação.

          A política do compartimentismo (educação só para educadores, economia para economistas etc.) se opõe simetricamente à política da mudança: esta última é de estimulação cumulativa, e a primeira, de desestimulação cumulativa. Certa maneira de ver a sociedade compartimentada e estratificada correspondia a um intuito de preservar o status quo, impedindo a visão da unidade do projeto para o qual todos os indivíduos e grupos concorrem. Exemplo típico desse tipo de ideologia é o que nos fornece a economia liberal desde os Fisiocratas, com o famoso "Tableau" de Quesnay.

          Esse pensador e economista foi um dos primeiros, como se sabe, a conceber de forma sistemática a idéia da totalidade articulada na economia e, por via desta, na sociedade - mas o seu inconsciente ideológico lhe impôs distribuir as classes sociais sobre um "tableau" fixo, tudo continuando a girar, indefinidamente, segundo itinerários invariáveis com os quais se confundia a própria noção de ordem social.

          A estratégia da divisão consiste em sobrepor as formas aos conteúdos para calar, nestes, o apelo que emerge de cada parcela da realidade para o reencontro com a realidade toda. Daí por que a recente reforma universitária no Brasil é uma reforma burocrática. É preciso distinguir entre a fachada regulamentar e a mudança institucional. Se se transforma e engrenagem sem a renovação das idéias, em vez do aparecimento do novo o que existe é a tentativa de salvar o velho. É exatamente o que está ocorrendo: uma afanosa mobilização de todos os recursos terapêuticos para salvar o corpo sem o espírito. O problema é fundamentalmente político. Não nos arreceamos de repisar o que vimos lembrando: a paideia é fruto da politheia tanto quanto esta é fruto daquela. É preciso revolver a questão dos fins da universidade, confrontando-a com a estrutura social e econômica, com o papel da cultura, da técnica, do trabalho, da riqueza, das classes e do sistema de poder.

          A consciência mítica não consiste só na absolutização do relativo, senão também na conversão do instrumento de ação em talismãs. Imagina-se automático o êxito de fórmulas ritualistas; anuncia-se como revoluções pedagógicas a descrição de arquétipos sem a noção dos obstáculos. O obstáculo da relação pedagógica professor/aluno; da educação permanente; do tempo real da educação; da função ativa do meio ambiente; da cultura dos jovens etc.

          Quanto ao planejamento educacional feito pelos economistas, não toca na espessura do econômico com todos os entrelaçamentos que ele mantém com as diversas dimensões da sociedade, é apenas um processo linear que projeta no futuro números diferentes dos atuais, projetando porém as mesmas realidades.

  

A árvore e os frutos

           Entre nós, a educação se desligou da sociedade, desde o início, por alienação cultural: recebia-se o fruto separado da árvore, até o ponto de se esquecer da própria árvore. O saber pedagógico tornou-se "autônomo", passando a atrair vocações de geômetras mais interessados pela forma que pelo conteúdo, pela racionalidade interna do sistema de ensino que pelo seu dinamismo social.

          No mundo inteiro, essa autonomia do saber pedagógico se agrava, ainda mais, pela tendência tecnocrática que, por definição, consagra a razão técnica em oposição à razão política (ignorando que esta é, de alguma forma, parte daquela). A todos esses fatores soma-se, no Brasil, o especialismo retardatário, oposto aos métodos interdisciplinares em ascensão acelerada no mundo inteiro. Haja vista o nosso planejamento, feito ou só por pedagogos (no CFE) ou só por economistas (no IPEA).

          A tendência para separar a educação da sociedade já está sendo objeto de uma "racionalização": alega-se que a mudança educacional vai alterar a sociedade industrial (ver o ensino de 2º grau). Na verdade, ela significa a imobilização da educação, bem como a mobilização incessante de leis e pareceres educacionais. Na ilusão dos pedagogos, a educação (cartorial) é suscetível de ação normativa direta, ignorando a dependência de fatos sociais complexos e, em grande parte, aleatórios. A verdade porém é que, se não se pode mudar a sociedade e o sistema educacional global, é possível no entanto colocar no projeto de mudança social as estruturas antecipadoras e germinativas. A normatividade consignada ao projeto educacional pode projetar-se além do âmbito interno da própria educação, e além das contingências presentes, como fator de diacronismo social. Não há por que afirmar que o pedagogo só tem poder sobre o sistema que ele opera diretamente. A tendência, pois, de pensar a educação pela educação, isto é, de retê-la nas próprias fronteiras, constitui uma atitude ideológica, com metodologia própria: o uso da racionalidade linear e burocrática na elaboração da política educacional. Esvazia-se a educação para manter-lhe a autonomia.

          Dentro de tais pressupostos estão colocadas as sugestões que se seguem, referentes a alguns pressupostos das pesquisas educacionais a serem desenvolvidas no Brasil. São meras indicações - o assunto e a perspectiva em que é tomado para efeito de discussão.

   

Sugestões de temas a serem pesquisados

           1. O processo intelectual na educação brasileira

           A) As tendências

           Como se pensa a educação. Como surgem as idéias na educação. Como se difundem. Como se desenvolvem e modificam. Que forma tomam. A idéia, a norma e a práxis.

           Problemas:

           a) A origem das idéias e modelos educacionais em curso no Brasil, ou subjacentes à sua política; o problema da alienação.

          b) A tendência para converter idéias em normas; o método "cesarista" que suprime ou atalha o processo de elaboração e difusão das idéias. Tendência e método que se exprimem:

                  I) pelo modelo oligárquico: no plano administrativo (centralismo) e no plano intelectual
                  (ação da intelligentsia oficial). Um certo tipo de elitismo tecnocrático;
                 
II) pelo institucionalismo mecanicista;
                 
III) pelo jurisdicismo burocrático (substituição da competência técnica pela competência
                 
legal).

          c) O processo ordenatório na administração educacional. A eficácia, ou não, das idéias educacionais. A relação entre as idéias e as esferas do poder. A posição dos "especialistas" e dos técnicos na administração da educação. Ausência de instâncias de reflexão científica nas esferas do poder (quando existem, apresentam uma constituição inadequada e funcionam paralelamente a essas instâncias, sem influência real sobre elas). Particularidades do estilo tecnocrático brasileiro em educação. A reforma universitária sob essa perspectiva.

          d) A lógica cartorial dos pedagogos. O caráter a-social e a-temporal da especulação pedagógica no Brasil, ou o tempo de outras nações.

 
          A multidimensionalidade da educação: a teoria e a prática.

          O problema da "tecnicidade" na educação - a pedagógica e a econômica. Suas falácias.

          O problema da intelligentsia brasileira no campo da educação. A educação dos mandarins; localizar as instâncias do poder. Educação e experiência.

          O problema da comunicação das idéias educacionais: do centro para a periferia, ou de um ponto para outro da periferia. Processos e mecanismos.

          Relações entre o MEC, de um lado, e, de outro, as universidades e os estados. Não se trata apenas de um movimento de cima para baixo, mas de um lado para outro.

            B) Os fatos

           A educação - hoje - no Brasil:
 
           os fatos;
 
            as instituições;
 
            os agentes;
 
            as idéias.

           a) A educação brasileira: desde 1930 (e, sobretudo, em 1932: o Manifesto dos Pioneiros) até 1975. O admirável Manifesto permanece atual nos dias difíceis da educação: a crítica severa contra o legalismo pressuroso sem respaldo científico. Nas recentes reformas da universidade e do ensino de 1º e 2º graus, permanece intacta a pressurosidade cartorial contra a pesquisa. Entretanto, no devenir social, é normal a décalage entre os anos de 1932 e 1975: enfatiza a escola numa visão do passado, e conceitua o planejamento numa perspectiva liberal superada. O Manifesto vislumbra a interdisciplinaridade do saber, mas depois do documento se assinala o avanço considerável quanto à conexão entre as diferentes ciências. Entretanto, persiste a dificuldade do método interdisciplinar no ensino. Em virtude da diacronia (o tempo sociopolítico, econômico, cultural e educacional), o documento não percebe o conteúdo real da educação permanente. Acentua a administração escolar mas omite a administração educacional. A escola, como instituição relativamente autônoma (na concepção do Manifesto), estava encaixada na ideologia liberal. Além disso, a sociedade industrial exige, obviamente, macroestruturas. A idéia da totalidade, e das conexões que lhe dão coerência, impõe-se à cultura moderna, transformando, crescentemente, o estilo liberal e individualista num estilo planejado e societário da ação social. Nesse caso, torna-se indispensável a administração educacional, como macroestrutura.

          b) As lideranças intelectuais na educação: liderança institucional e liderança dos educadores.

Divórcio entre o sistema normativo e o sistema executivo. Irrealismo da norma e o irracionalismo do poder patriarcal.

 

           2. As formas heterodoxas da educação
 
            e da formação técnica e profissional

           Indicações ilustrativas:

          No Brasil, é tão importante completar competências quanto formar competências novas. É tão imperioso treinar professores rurais leigos, em certas regiões, quanto diplomá-los nas Escolas Normais. Algumas experiências têm sido feitas entre nós (CADES, PAMP, Plano Mestre do INEP), mas sempre com o sentido de emergência: impõe-se elevar esses padrões à condição de padrões normais, paralelos aos que a tradição consagrou (tradição, de resto, inspirada, as mais das vezes, em modelos estrangeiros). É preciso eliminar o equívoco que acompanha, subjacentemente, esses programas, como se constituíssem desvios ou deteriorações dos padrões legítimos. Impõem-se também diferentes tipos de Mestrado e Doutorado, mediante a flexibilidade da cultura nacional e regional, sem prejuízo da ciência e do saber.

          Razões justificativas:

          I) Somos um país onde a maioria das pessoas são, ou a-didatas, ou têm formação intelectual e profissional incompleta (aliás, toda formação é incompleta, no sentido de saber inacabado. Ver, neste artigo, Nota 11). Com estes é que contamos para as tarefas de nosso desenvolvimento. Entretanto, se devemos evitar o idealismo farisaico que ignora a realidade brasileira, devemos igualmente fugir ao realismo pedestre que só descobre na realidade condições impeditivas ou limitadoras - contentando-se com elas - e não as condições permissivas das quais deve originar-se o esforço para transformar a própria realidade.

           II) A complementação ou a mudança de competências é, sabidamente, um fenômeno das sociedades modernas, que requerem, por isso mesmo, um sistema aberto de educação, ao modo da educação permanente. Sistema que se caracteriza, entre outros caminhos, a) pela possibilidade de serem oferecidas a cada um as oportunidades educacionais condizentes com seus interesses, talentos, tempo disponível etc.; b) pela interpenetração da práxis educacional e da práxis social, com a supressão do monopólio da escola no processo educativo.

  

          3. O planejamento educacional brasileiro

           Teoria do planejamento educacional aplicada ao Brasil.

          A política e a técnica, a educação e o Estado, a economia e a cultura dão-se as mãos nesse universo difícil de uma lógica operante, e não apenas raciocinante.

          Viabilidade, metodologia e estratégia do planejamento educacional.

          Diagnóstico dos impasses com que ele se tem defrontado.

          Conciliação entre a racionalidade técnica e a decisão política.

          Problemas conceituais e operacionais. A qualidade e a quantidade da educação de acordo com o projeto brasileiro. O problema da unilinearidade pedagógica e econômica. O método interdisciplinar.

          Formação e uso dos planejadores educacionais.

  

          4. A universidade brasileira

           Análise da recente reforma universitária.

          A crise da universidade moderna.

          Universidade e mudança social.

          Um projeto de universidade brasileira.

   

          5. A Faculdade de Educação no Brasil

           a) Instituição nova, a Faculdade de Educação se defronta, simultaneamente, com a chance de constituir peça básica da renovação do sistema educacional brasileiro, e com o risco de permanecer aprisionada no próprio sistema, só aparentemente reformado. Risco de ser uma instituição residual em vez de uma inovação.

          b) A nosso ver, a força dessa instituição ficaria assegurada se ela viesse constituir a instância de reflexão do processo de educação no Brasil, a serviço: I) da própria universidade a que ela pertence; II) da sociedade; III) das ciências aplicadas à educação. A serviço da universidade: infundindo-lhe a consciência de sua própria práxis como instituição pedagógica, juntamente com os apetrechos para operar como tal. A serviço da sociedade: elaborando a visão da educação articulada com a práxis social. A serviço das ciências aplicadas à educação: constituindo-se a fonte principal da pesquisa e da reflexão filosófica.

          c) Tem-se revelado difícil, até agora, realizar a verdadeira vocação das Faculdades de Educação dentro do sistema vigente, pelos motivos já apontados. Uma experiência livre dos condicionamentos do sistema oficial seria de grande fecundidade para ele próprio.

  

          6. A expansão do ensino superior

           a) Objetivos sociopolíticos, econômicos, culturais e educacionais, e meios de conciliá-los entre si. A qualidade e a quantidade da educação.

          b) Regionalização do ensino superior: conceitos e métodos.

          c) Política de interiorização do ensino superior.

          d) O problema das profissões, do ponto de vista da formação e do exercício profissional. A orientação educacional e profissional.

  

          7. A assistência técnica na educação

          Necessidades. Possibilidades. Formas e estilos.

          a) O novo modo de atuação do MEC na legislação.

          b) Diagnóstico da situação atual.

          c) Inovações necessárias quanto aos modelos, aos mecanismos, aos "quadros" destinados a essa tarefa. Relações entre o sistema federal e os sistemas estaduais de educação; entre o Governo e as universidades.

   

          8. A administração educacional

           a) Centralização e descentralização (aspectos institucionais, sociopolíticos e culturais).

          b) Administradores e técnicos na administração educacional.

          c) Reestruturação do sistema da administração educacional nos níveis federal, estadual e municipal.

 

            9. Educação e desenvolvimento

            A sociedade industrial depende cada vez mais do esforço criativo e de competências, concertados em termos de qualificação cada vez mais alta. É necessário, entretanto, dar dimensão política ao processo industrial, ampliando essas qualificações tendo em vista não só a solidariedade das competências como a das iniciativas no plano político. A industrialização, bem como os modelos societários de ação que ela produz já estão encaminhando (nas grandes sociedades industriais) o protagonismo da maioria sobre o da minoria privilegiada num plano técnico - o do fazer. É indispensável que o mesmo fenômeno ocorra na ordem política, em que está envolvida a capacidade de fazer fazer, o poder de decisão.

          A educação acompanharia esse processo mas também, de certa forma, o aceleraria e, mais ainda, alteraria as condições em que ele se desenvolve. A educação seria um instrumento dialético que reduz, tendencialmente, à unidade da práxis, em nova sociedade, as diversas dimensões do agir no humano no plano profissional, no plano social e no plano cívico-cultural.

          Acreditamos que a dialética da sociedade industrial vai produzir, entre outras alterações qualitativas, a conversão gradativa da exigência técnica em exigência política.

          Prospectiva: a educação dentro de um tempo e de um espaço social unificado através da comunicação, do trabalho e da organização política. Superação da educação rigidamente estruturada em relação ao Sujeito (escalonamento por idade e geração) e em relação ao Objeto.

          O "Sujeito histórico" na sociedade tende a ser um só, congregando as diferentes classes sociais e diferentes grupos etários e, dessa forma, a interessar-se cada vez mais pelo mesmo Objeto. Unidade de objetivos e de "intencionalidade" (projeto) num novo tipo de sociedade democrática.

  

          10. Formação de planejadores educacionais

            É indispensável instalar dois tipos de curso: um, para treinamento e aperfeiçoamento de planejadores educacionais, visando preparar pessoas de diferentes níveis intelectuais e profissionais; e o outro, destinado a pessoas aptas para uma formação acadêmica em nível pós-graduado.

Costuma-se afirmar que no Brasil há excesso de idéias e planos de educação, restando só pô-los em prática. Puro engano. Acreditamos, ao contrário, que a nossa crise educacional é sobretudo uma crise de pensamento.

  

          11. Educação geral e educação técnica

            Ensino do 1º e 2º graus. Profissionalização e democratização. Educação polivalente. Ensino supletivo. Educação permanente. A Lei nº 5.692 (ensino de 1º e 2º graus) considera educação permanente como ensino supletivo. Parece-nos um equívoco. No fundo, o ensino supletivo significa a escolaridade regular, acrescentada de um mecanismo de complementação. Cursos regulares da escola, mas atalhados. Na lei, inexiste educação permanente.


Durmeval Trigueiro Mendes
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Rio de Janeiro, v. 60, n. 136, p. 481-495, out./dez. 1974.