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 EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Ressalta os significados da educação de adultos,
incluindo a formação profissional, na perspectiva da educação permanente,
considerando a experiência cultural do adulto, seu autodidatismo,
suas alienações, sua tomada de consciência.
Assinala a mediação exercida pelos meios de comunicação
nesse processo, em que uma nova política de educação
implica alterações na política global.

 

         De há muito cuida o governo federal desse problema, mas nem correspondia o molde convencional da escolaridade aos objetivos dos adultos, nem era viável abrigar a massa avassaladora de candidatos dentro do sistema tradicional - que não chega a absorver grande parte da população de crianças e adolescentes em idade escolar. Todavia, o malogro evidente não nos fez mudar de rota: reivindicamos mais recursos para insistir nos mesmos esquemas fundamentais. Malbaratamos os esforços em planos tateantes e bisonhos que rondam o problema sem alvejá-lo. Ou melhor: alvejá-lo até demais.

          Quanto à formação profissional, os erros são os mesmos, apenas noutra ordem de interesses. Adulto precisa de formação profissional, tanto quanto de formação intelectual; então, imaginou a política oficial, há de lançar-se mão, também para aquela, dos estilos e recursos convencionais de escolaridade. E os impasses são os mesmos: como preparar para o trabalho, em escolas técnicas e dentro de uma filosofia de escolaridade convencional, a legião dos adolescentes e dos adultos que precisam ganhar a sua vida? Novamente se mostrou infecunda a experiência do erro; insistimos nele, pretendendo ampliá-lo ou encurtá-lo, ou seja, em vez das alterações qualitativas adotamos fórmulas simplesmente aumentativas, ou emendativas, ou abreviadas.

          Ora, educação de adultos e formação profissional representam aspectos diferentes de uma só coisa. Trata-se do que se vem chamando de educação permanente. Lembraremos sobre o assunto apenas alguns pontos essenciais.

Em que consiste essa nova educação? Poderíamos configurá-la através do contraste entre dois métodos: o tradicional e o que, apenas começando a ser atual, se projeta sobretudo como o grande método do futuro. A tradição identifica a educação como um processo escolar, recolhendo cada um, na escola, o cabedal de que se provê durante o resto da vida. Acontece que, nas atuais circunstâncias, se torna praticamente impossível, sobretudo nas regiões menos desenvolvidas, que todos freqüentem a escola, ou que o façam tão amplamente quanto seria necessário, na hipótese em que ela se constitua na única fonte de formação cultural e profissional. Ora, o adulto, mesmo analfabeto, está inserido na cultura que o envolve de todos os lados, e representa, em larga escala, parte de sua própria vida. Só lhe falta adquirir, de forma consistente e dinâmica, os meios de apropriação da cultura em que está imerso. Quais seriam esses meios, ou instrumentos? Não seriam os meios escolares herdados de outra sociedade e de outra paideia, a não ser em caráter subsidiário. Resta, então, o apelo a uma nova metodologia que é, afinal, a essência da educação permanente. E esta consiste basicamente numa concepção e num método que, em parte, utilizam postulados tradicionais - filosóficos, psicológicos e sociológicos - vividos com uma consciência nova de suas implicações; e, em parte, refletem a originalidade da nova sociedade.

          Qual a concepção? É que não se aprende só na escola, ainda que impregnada de vida real, a partir da revolução da "educação nova". Segundo as lições desta, o homem chegava à vida e à sociedade pela escola, que as reproduzia como modelo concentrado e recortado; hoje, o homem conscientiza o social prescindindo, em larga margem, da mediação da escola. Em vez dos valores e técnicas serem transpostos para a escola, e aí assumidos, apropriados pela educação, agora, ele os assume in exercitu, isto é, no próprio exercício de todos os atos que marcam a sua inserção efetiva na realidade a que está incorporado. Educa-se o homem em situação, sem ter-se de criar uma situação escolar - mediadora - na qual se procura reproduzir a situação aparentemente real.

          Por que se chegou a essa concepção? Em grande parte, pela crise do sistema escolar, pequeno, às vezes insignificante, diante da massa popular cada vez mais reivindicante do seu direito à educação. A realidade transbordou, de muito, da escola, e desse impacto surgiu uma consciência nova: a de que a própria realidade pode educar diretamente através de dois processos: conscientização e internalização.

          Trata-se de levantar o véu, de mostrar ao homem a face in vivo, e não in vitro, como faz a escola. É necessário a experimentação (provocada) e a experiencialização (práxis criativa). O adulto está embebido numa cultura que ele não reconhecia - separado dela por um intervalo que pode alargar-se até a esquizofrenia cultural. A educação de adultos consiste em cobrir essa lacuna com o reconhecimento de uma cultura na qual devem integrar-se todos os que dela participam, em níveis crescentemente iguais de consciência e lucidez. Tal integração, aliás, constitui nitidamente um dos caminhos essenciais da democracia. Insisto na palavra re-conhecimento, pois o que faz o adulto - e este é o sentido de sua educação - é re-conhecer o que ele já conhecia, é reiterar inconscientemente, marginalizado daquilo que o constitui e, ao mesmo tempo, não o constitui - pois o constitui a modo de máscara, que é o seu status legal, institucional, mas uma máscara hipostasiada, o que leva o indivíduo a confundi-la consigo mesmo, e esse talvez seja o ponto mais crítico de sua alienação. A "brecha" entre o homem, constituído como consciência, e os seus ritos institucionais; entre o homem e o sistema de poder que emerge de sua aprovação com seu forçado "con-sentimento"; entre o homem e a cultura em que está metido; entre o homem e os bens que ele produz; entre o homem e a práxis que engaja sua sociedade - essa incapacidade de projetar nela a sua própria práxis, e de conciliar a sua e a dela, de fazê-las uníssonas, organicamente entrelaçadas - eis as alienações fundamentais a que está sujeito o homem de nosso tempo.

          São, como se vê, alienações diversas, de diferentes níveis, segundo a classe ou o grupo. A alienação do poder, por exemplo, em que cada um se demite do que faz o dispositivo encarregado das decisões supremas que a todos comprometem; a alienação institucional, na medida em que a institucionalidade estabelece uma falsa identidade de valores; a alienação cultural, que é a dupla: adesão a valores que não brotam da experiência, e a inclusão de uma ordem cultural que envolve a todos, mesmo os excluídos; a alienação econômica, outra forma de despossessão, referida, esta, aos valores de trabalho, que não é toda a práxis, mas é um de seus aspectos essenciais.

          Enfim, fica o adulto marginalizado de seu ser - isto é, na perspectiva de ambigüidade entre o agente e a máscara - de sua participação, de seu sacrifício, de seu empenho, enquanto sobre sua adesão se sustenta a lei, a regra social, a disciplina institucional, tudo aquilo que significa a construção da cidade. A separação entre o indivíduo como consciência de si mesmo e o seu papel, entre a forma mecânica de ajustar-se e a articulação orgânica; e a ambigüidade consiste em que o mecânico passa a ser vivido, por aquela hipóstase de máscara, como constitutivo de seu ser real, e dessa ambivalência dificilmente escapa o adulto que não tenha adquirido a consciência adulta. Isto é, a consciência do real, dos seus valores reais e de suas mistificações, particularmente daquela mistificação que, segundo a observação de Maurice Duverger , é inerente ao plano institucional (embora a minha abordagem seja diferente deste cientista político). Muitos dos falsos líderes e dos falsos educadores preferem, por comodidade, trabalhar com idéias que se engrenam entre si, independentemente dos fatos. E, em vez de colocarem-se no campo raso da vida posta na rua, abrigam-se nas instituições de onde os fatos foram expulsos pelos esquemas apriorísticos ideológicos. E fazem o seu jogo à base dessas instituições, desenvolvendo nelas os mecanismos de coação, tanto mais implacáveis quanto mais essas instituições estiverem mortas. Essas são as elites que não realizam a redução da institucionalidade, nem compreendem a dialeticidade do fato social. Por falta de consciência histórica se forma aquela "mistura hipócrita de vida fácil, de boas palavras e de atos destruidores, que se encontram tão comumente nos planos elevados das grandes instituições".

          Essa marginalização é uma das formas de alienação radical, aquela que leva alguém - e, no caso, a maior parte da sociedade - a separar-se de si mesma, a desintegrar-se de sua consciência. A reintegração se faz na medida em que o adulto transforma o seu empenho numa práxis, e em que é a sua ciência, haurida de uma consciência profunda de sua ação. É um pensar com a vida e a ação, não mediatizados, mas presentificados pela práxis. Pois isso é educação de adultos. Consiste em saber o que já se sabia. Transformando em adesão vital a hipóstase, em consciência plenamente assumida e enriquecida o que era velada dominação, a distância em aproximação, o exterior em interior, o mecânico em vivido. Ao mesmo tempo em que se corrigem as alienações, se estabelece um estatuto democrático, pela posse, tornada a todos acessível, da mesma consciência, e pela integração tensional, em igualdade de condições, na mesma práxis. Pois essa situação só ocorrerá numa sociedade realmente democrática, em que sejam colocados ao alcance geral os meios de promoção humana, e em que a promoção social, a obtenção do papel social e profissional corresponda à promoção humana. O que significa substituir a filosofia do privilégio de castas pela do trabalho, qualificado pela cultura e pela educação.

          Voltando ao tema anterior: o adulto está cercado de valores de que participa mas que não se integram na sua consciência. Re-conhecer o conhecido. Daí eu ter usado a palavra re-conhecer. Todos se lembram de que Platão dizia que saber é recordar. O filósofo grego tinha outras razões para explicar esse reconhecimento, as razões de seu idealismo típico. Num contexto filosófico e sociológico totalmente diferente, e até mesmo antagônico, poderíamos dizer que saber, para o adulto, é tomar consciência de sua verdadeira experiência, isto é, a sua práxis individual e social.

          Não é preciso - nem possível - mobilizar uma cadeia de escolas para alcançar, por si só, esse resultado. O que cabe à educação de adultos é sistematizar, por assim dizer, esse imprescindível e fecundo autodidatismo pelo qual nós aprendemos o que está diante de nós no próprio lance da experiência, na ferida aberta, tornando o imediato fonte de saber, captando o imediato em condições de que ele se torne alimento, disciplina, cultura, sem depender, primordialmente, de uma elaboração mediadora da escola. Essa aprendizagem pelo imediato, pelo circundante, pela conjuntura, é a fonte primeira da educação dos adultos. Lembra Mannheim um fato que pode ilustrar esse ponto de vista: "Quando os livros eram escassos, o saber ler e escrever eram privilégios de uma casta sagrada, e o estudo se considerava como uma atividade sagrada, alheia da vida e do trabalho cotidiano. Manejavam-se os livros com humildade e os homens de estudo eram considerados com grande deferência. Na Europa, tal coisa ajudou a desenvolver e difundir a atitude livresca que as pessoas vulgares ainda se sentem inclinadas a associar com o estudante e o sábio. Um elemento essencial dessa atitude é o formalismo: por exemplo, a crença na virtude mágica de um enfoque e apresentação escolásticas, que se consideravam superiores ao sentido comum. A antiga atitude persiste nas escolas que insistem em que há que aprender de memória, como se não existissem, à disposição de todos, os tratados, as obras de referência e consulta". A meu ver, o próprio dinamismo do adulto operará em cada um as elaborações necessárias, a que poderá - e deverá - acompanhar a elaboração dos outros, acompanhada ao nível de experiência e cultura alcançado por cada um .

          Os meios de comunicação nos trazem o imediato, em larga margem mediatizado pela visão dos estadistas, políticos, administradores, filósofos, cientistas sociais, psicólogos, educadores , artistas no sentido genérico, instrumentalizados pela práxis e teoria. Esses mediadores têm um tríplice papel: 1) a consciência adulta é, tanto quanto adulta, autônoma, e o simples conhecimento do dado em toda a sua amplitude lhe permite a elaboração e a iniciativa pessoal; 2) mas é necessário, como em toda educação, que a comunicação se faça ao nível experiencial do educando, da base empírica a partir da qual ele adquire novos conhecimentos. Isso supõe o ordenamento dos fatos, a linguagem, o discurso social ; 3) finalmente, uma sociedade se constrói com opções, muitas vezes colocadas para lá do nível de sua atual experiência, ou melhor, da conjuntura instalada. O que é tanto mais verdade quanto a prospectiva - uma nova forma de ver - se alimenta e justifica na extrema celeridade das transformações sociais. Entretanto, numa visão mais profunda da sociedade democrática, a consciência histórica, expressa pela coletividade social e acionada pela análise crítica, rente a essa coletividade como um todo no sentido do projeto comum (intelectuais no sentido genérico: pesquisadores ,escritores, professores, artistas etc.; o proletariado, os sindicatos, os partidos, a opinião pública através da comunicação social e cultural) preponderará sobre a "inércia" dos fatos colocados abaixo dela e elevando-os ao seu nível; nesse caso, não se trata de trair os fatos mas, ao contrário, de eliminar a traição ao seu dinamismo profundo pelas formas imobilizadas que o bloqueiam. A transformação social do Brasil é exatamente o oposto do anacronismo.

          Uma parcela dessa intelectualidade desgarra do projeto comum se expressando num produto anti ou a-histórico ou, numa outra abordagem, aderência do histórico passado, subsistindo determinada ideologia na economia e na política com os postulados da "harmonia": ou "coesão" ou "consenso" das classes sociais. A "inércia" dos fatos está agenciada pelas elites conservantistas. A visão funcionalista analisa a "racionalidade "da ordem existente sem questioná-la. A não ser irrupção ou crise de um determinado setor. Ora, o sistema social global dissolve ou absorve a "disfunção" e a crise episódica setorial, restabelecendo a funcionalidade do sistema global. Na verdade, não está questionada a própria crise do sistema global que socorre o setor desprotegido para conservar o status quo anterior. É o caso desse tipo de aderência do passado.

          Voltando aos mediadores, isto é, os que realizam a educação de adultos, com esse instrumental específico dos meios de comunicação, têm um tríplice papel: o de revelar a realidade; o de escolher o método adequado para essa função; o de propor opções, numa linha prospectiva que defina e configure uma nova realidade. Tudo pautado, como acabamos de ver, por um compromisso de lucidez e fidelidade democrática.

          Dessas considerações podemos retirar algumas conclusões práticas. A aprendizagem dos adultos deve processar-se, em larga escala, na ambiência de sua vida e de seu trabalho, mediante o uso de técnicas apropriadas de comunicação, de formação e de treinamento. A mediação da escola de adultos seria reduzida até os limites indispensáveis do disciplinamento intelectual e técnico, já que, no estágio atual, a sociedade não comporta ainda o autodidatismo. Permanece a escola como matriz da formação cultural e profissional, apenas mudando de perfil, mas adquirindo possibilidades de alongar a sua influência sobre o conjunto da vida e do trabalho humano. Entretanto, sobretudo no Brasil, a escola não se articula com a vida e o trabalho.

          O pensador Romano Guardini estabelece uma perspectiva filosófica e psicológica das idades - todas as exigências fundamentais se reiterando com diferentes acentuações, segundo os valores específicos de cada uma. A nosso ver, numa outra perspectiva, aprende-se em todas as idades, e tanto mais, quanto o mundo é cada instante novo, como o rio de Heráclito. A educação da criança, do adolescente e do adulto, se situa dentro do mesmo tempo e do mesmo espaço social. Isto é o mesmo que dizer que se torna cada vez mais irrelevante a fronteira entre a escola e a sociedade. Até agora, era o adulto, exclusivamente, que representava a sociedade (já que se considerava sociedade a sociedade estabelecida, de que ele era o estereótipo), enquanto a escola era constituída por aqueles que ainda se preparavam para integrar-se nela. Agora, começamos a compreender que a sociedade se estabelece, criadoramente - e não estaticamente -, mediante o concurso das gerações no tempo e no espaço simultâneos. Por isso, os adultos voltam a freqüentar a instituição educativa, ou criam novas instrumentalidades, paralelas ou até competitivas com a escola.

          Veja-se o contraste entre a educação de uma escassa minoria que poderia abrigar-se na escola num tempo contínuo durante anos a fio; e a educação de todos, em tempo contínuo e inflexionado segundo as necessidades de cada um. O que hoje temos é a escolaridade num recorte irredutível: os cursos superiores são peças inteiriças de 4, 5, e 6 anos; os cursos médios são mais ou menos padronizados e artificiais (ver as habilitações profissionais, os currículos profissionais etc.). A própria escolaridade fundamental e obrigatória para todos, é preciso que saia do mítico para o real. A Constituição prescreve isto. Entretanto, poderíamos formular duas hipóteses: educação extensiva que, na verdade, é precária, às vezes inócua, e educação "eficiente" que não abranja a todos. No Brasil, as hipóteses referidas se convertem em realidade.

          Haveria sentido numa campanha de alfabetização mais ou menos simbólica, em perdida aldeia na Amazônia, ou nas metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo? Só para não deixar descumprido o mandamento de escolaridade obrigatória (e, na verdade, permanece o descumprido)? Entre essa cara, e falsa, alfabetização, e a ministração de bens de consumo, colocados na ordem da sobrevivência - saúde, alimentação, habitação - não parece que a segunda alternativa tem prioridade, e que a sobrevivência é muito mais importante que a alfabetização-"mito"? A consciência dessas implicações deveria desencorajar a iniciativa de criar as escolas simbólicas disseminadas pelo país (Escolas e Faculdades). Mas não se trata de ceder a um suposto fatalismo, segundo o qual seria impossível, com os recursos existentes, ampliar a educação, quanto mais assegurar-lhe nível adequado. Velha falácia de alguns líderes, os quais vêem crescer a desproporção entre os recursos e as necessidades educacionais, como se as coisas se governassem a si mesmas, ou como se as situações tivessem de desenvolver-se linearmente, sem a incidência daquela vontade normativa, retificadora, tantas vezes, e sobretudo instauradora. Tendo em vista as alterações qualitativas e quantitativas que o desenvolvimento nacional reclama, o Plano não pode basear-se apenas no crescimento vegetativo de uma estrutura social e educacional que tem como inadequada. Há o que acelerar , o que ampliar e, sobretudo, o que transformar. A nova política da educação supõe alterações na política global, outro jogo de prioridades, outra escala orçamentária, nova ordem de decisões.

          No Brasil, quando o impulso do crescimento atinge as estruturas vigentes, elas se recompõem sobre os mesmos alicerces através de soluções paliativas que se caracterizam 1) pelo sentido emergencial e 2) pelo sentido aumentativo ou encurtado; dessa forma, as crises perdem a sua fecundidade, atraindo soluções que, a longo ou curto prazo, só poderão agravá-la. Porque o que é preciso não é aumentar o quadro institucional, mas substituí-lo por outro.

  

E a educação "eficiente"?

           O Brasil, embora tenha despertado para o desenvolvimento a partir de 1930, continua preso ao anacronismo, imaginando ter ingressado no processo transformador. Esta é a face mais crítica da ambigüidade brasileira.

          Pode-se ter uma intelligentsia política, ou técnica, ou burocrática, a baixo custo: não se pode, entretanto, elevar todo povo ao nível da verdadeira inteligência e da verdadeira competência, sem um custo altíssimo, só admissível quando ela aparece identificada, em larga escala, com o próprio custo do desenvolvimento. Se pode-se promover uma sociedade com 100 ou 100.000 pessoas exercendo o papel diretorial, por que educar 10 milhões ou 100 milhões, para exercer o autogoverno? Se o "desengrossamento" do povo, até a limpidez, é tão dispendioso e "incerto", por que não admitirmos a meia-educação? Nesse caso, realizar-se-ia uma educação ritualista-simbólica, atendendo aos anseios da massa e sem que as suas deficiências impedissem o desenvolvimento...

          Por outro lado, num país como o Brasil, a pressão da industrialização sobre as técnicas de trabalho e os hábitos de consumo dificilmente chega a ser eficaz, no sentido de forçar a subida dos níveis de educação. Isso acontece nitidamente nas comunidades mais homogeneamente democráticas, e onde o processo se tornou mais consistente e tendencialmente generalizado nos seus reflexos.

          No capitalismo brasileiro, acionado pelo regime tecnocrático, se constata o impasse entre a industrialização e o sistema educacional. Além disso, as desigualdades regionais quebram a força tensional do desenvolvimento, enquanto esta se exprime na generalização dos padrões sociais, técnicos e culturais. As elites dominantes dos países subdesenvolvidos não crêem na educação como fator de desenvolvimento, apesar da retórica em contrário. Isto é, na educação em nível democrático. Dependendo do grau de arcaísmo ou das deformações ideológicas, existem na camada dirigente: 1) os que rigorosamente não aspiram ao desenvolvimento mediante, entre outras instâncias, a educação. Apenas procuram satisfazer a opinião pública, através de gestos mágico-simbólicos, ou mecânicos, como já foi acentuado: processos ritualistas e despistatórios. Eles constituem a fração mais arcaica das elites de poder; 2) os que acreditam que o País, para progredir, não precisa da educação do povo mas do refinamento de suas elites, muitas vezes obtido nos países desenvolvidos. Essa crença inclui dois postulados ideológicos fundamentais. O primeiro: o processo depende só do grau de preparo de seus dirigentes, desde que eles tenham toda a autoridade para imporem ao País a racionalidade técnica que eles representam. O segundo: é possível preparar essa elite, sem ter que extrair, de um sistema global social, o processo educativo. Um dos ingredientes dessa ideologia seria o tecnocratismo.

          As reformas do ensino e os programas de educação de adultos proclamam a elevação dos padrões da sociedade mediante a incorporação da educação. Ora, se cada indivíduo enriquece a sociedade com suas potencialidades, e esta, por um jogo dialético, lh'os devolve multiplicados por todos os que a integram, a dialética se interrompe no momento da doação da sociedade brasileira.

 

Durmeval Trigueiro Mendes
Conferência realizada no Conselho Estadual
de Educação do Rio de Janeiro, 1976.