Durmeval Trigueiro Mendes - o mestre e amigo
José Paulino da Silva
Professor da Faculdade de Educação da UFS


          A primeira vez que vi o professor Durmeval Trigueiro Mendes foi numa sala de um prédio-anexo da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro onde funcionava o Instituto de Estudos Avançados em Educação - IESAE-FGV. Lá estava em sua modesta escde Educação. Sabrivaninha onde costumava atender aos alunos do Curso de Mestrado em Educação.

          Já conhecia alguns de seus pareceres sobre assuntos relacionados a questões do ensino que o mesmo emitia enquanto Conselheiro do Conselho Federal ia o quanto ele representava de valor para o Brasil na qualidade de educador e intelectual que sempre soube agir com coragem, autonomia, competência e sobretudo com muita consciência política em todos os cargos que ocupou em sua trajetória profissional.

          Entretanto, não conhecia, até aquele momento, uma rica dimensão de sua personalidade, que só a convivência do dia-a-dia no ambiente acadêmico me permitiu perceber. Durmeval sabia equilibrar com rara habilidade sua densa formação filosófica e cultural com a "atenção" aos fatos do quotidiano. Confesso que certa vez fiquei surpreso, quando após o término de uma brilhante aula sobre a questão do saber segundo a concepção de Michel Foucault, um colega no corredor puxou um assunto sobre a então seleção brasileira que naquele ano de 74 participava da Copa do Mundo - e Durmeval discutiu sobre o selecionado brasileiro e algumas das seleções adversárias com muito conhecimento e muita paixão.

          Sua autoridade de mestre não se fundamentava apenas na amplitude de seu conhecimento, na sua produção científica e dedicação profissional residia sobretudo no seu intransigente senso de justiça e de honestidade intelectual. Nas relações de poder que ocorriam naquele ambiente acadêmico, como de resto ocorre em qualquer Instituição, jamais percebi Durmeval assumir atitudes que prejudicassem a verdade dos fatos mesmo que estas viessem contrariar interesses de qualquer pessoa ou da Instituição.

          A amizade e admiração que tenho por Durmeval Trigueiro não se restringem apenas à época quando realizei o curso de Mestrado em Educação, incluindo nesta o período em que fui seu orientando.

          Elas se nutrem e se estendem por aquilo que constituem a sua obra e a sua lição de vida, ambas densas de sentido e dignas de conhecimento e de exemplo por todos aqueles que buscam na Universidade uma formação que vai mais além do que um conjunto de informações profissionais.

          Prestar uma homenagem a Durmeval Trigueiro Mendes, à semelhança do que ora faz a Universidade da Paraíba, é iniciar o resgate - para o presente e para o futuro da juventude universitária, - de um valor incomensurável. É também fazer justiça a alguém que, por causa de suas idéias, de seu testemunho de vida, procurou sempre ser coerente na defesa de uma educação que se inspirasse nas raízes culturais de nosso povo sem perder de vista sua dimensão filosófica e política enquanto elemento transformador da sociedade, e por isso mesmo foi vítima do obscurantismo e da mediocridade do regime político pós-64.

          Peço licença para citar um pequeno trecho de uma de suas mais belas produções, que para mim diz muito do vigor de seu pensamento e de sua visão de educador, filósofo da educação: Para Durmeval, "a pedagogia é, antes de tudo liberdade de olhar. Deixar ver, deixar expressar-se, consentir no tateamento, na busca fora dos trilhos dogmáticos. (...) Precisamos revolver a didática, substituindo o método que institucionaliza a indução professor aluno pelo método que promove o encontro dos dois no espaço da consciência, da esperança em relação ao que se está constituindo" (Realidade Experiência e Criação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,1973 (130) jul. set. p. 230-233 ).

          Creio que as Universidades Brasileiras, através do ensino, da pesquisa, e de seus programas editoriais têm o dever para com a sociedade, de estudar, sistematizar e divulgar a obra daquele que foi um dos mais sérios e produtivos pensadores da atualidade brasileira. Muitos dos escritos de Durmeval continuam inéditos e apenas conhecidos pelo círculo de seus ex-alunos e colegas. Outros se encontram dispersos em forma de artigos publicados em revistas. Torna-se pois urgente resgatar esta produção a fim de que a mesma fique assegurada e incorporada ao nosso patrimônio cultural/científico.

          Seria uma omissão imperdoável não possibilitar que o pensamento de Durmeval continue circulando e produzindo, num público maior, os seus efeitos de "fertilização e mudança" .

          Sinto-me honrado e sensibilizado pela gentileza do Reitor José Jackson Carneiro de Carvalho e daqueles que, juntamente com ele, ao pensarem prestar esta homenagem a Durmeval - me convidaram a me associar a este acontecimento. Parabenizo pois, a Universidade Federal da Paraíba que desta forma enaltece de modo merecido e justo a um de seus mais ilustres educadores, a quem também muito devo pela honra de ter sido seu orientando e amigo.


In: Universidade Federal da Paraíba. Concepção
do educador e da universidade.
João Pessoa: UFPb, 1988. p.89-91.